
Ná Ozzetti canta Zécarlos Ribeiro
Eles começaram a carreira juntos no grupo Rumo e agora se reúnem no primeiro álbum solo de Zécarlos
Em dezembro de 2022, Zécarlos Ribeiro anunciou o lançamento de seu primeiro projeto solo com o single “Roupas no Varal”, na voz de Ná Ozzetti. Fazia tempo que o artista vinha burilando a ideia de um trabalho solo e, desde que abriu seu baú de inéditas, canções não pararam de brotar. De lá pra cá lançou outros vários singles e, com a cumplicidade e parceria de Ná Ozzetti lançou o EP “Ná Ozzetti canta Zécarlos Ribeiro”, que agora se completa com quatro canções inéditas, dando origem ao álbum de mesmo nome, que chega dia 16 de maio de 2025 nas plataformas digitais.
Zécarlos Ribeiro e Ná Ozzetti começaram a carreira juntos no grupo Rumo, um dos principais nomes da Vanguarda Paulista nos anos 1980. Principal compositor do Rumo junto com Luiz Tatit, Zécarlos é autor de clássicos como “Ladeira da Memória”, “Falta Alguma Coisa”, “Bem Alto”, “Jackson Jovem”, “Quero Passear” e continua produzindo. “Tem músicas que venho gravando para registro, mas sempre vou mostrando pro pessoal do Rumo. E desde o início, quando ouviu, Ná gostou de ‘Roupas no Varal’, então separei pra ela cantar”, relembra o compositor sobre o início do projeto. “Quando ele me contou, me entusiasmei e me ofereci para cantar essa primeira leva”, revela Ná. Daí em diante, as conversas caminharam até o registro do EP e agora o lançamento do álbum “Ná Ozzetti canta Zécarlos Ribeiro”. “As gravações ficaram lindas. Estou muito feliz com o resultado. Foi um presente!”, comenta Ná.
Ouça o álbum aqui
As canções de ‘Ná Ozzetti canta Zécarlos Ribeiro’, por Zécarlos Ribeiro
Bem-humorado nasceu de uma ideia de melodia. Eu tinha alguns acordes interessantes e, pensando num parceiro para desenvolver, resolvi mandar para o Pedro Mourão, que tem o perfil da canção. Ele me retornou uma primeira estrofe já bem definida, com a construção ‘Hoje estou bem-humorado’. Levei um tempo para me acostumar com a frase, com o simples desejo de estar feliz e querer compartilhar este sentimento de felicidade. Eu teria a tendência a filosofar sobre o assunto (rs), enquanto o Pedro queria apenas delinear o sentimento. E assim foi feito, propus a segunda parte da canção e fizemos o restante juntos.
Roupas no Varal é uma parceria com Geraldo Leite, com quem já compus uma série de canções. Às vezes falo de questões mais reflexivas, mas sempre gosto de ter por base o cotidiano. Tudo que acontece no meu dia a dia vou transformando em música e, durante a pandemia, minha rotina incluiu estender as roupas no varal. Eu já tinha o refrão quando mandei para ele. Porém, toda a construção poética vem da inspiração do Geraldo Leite.
Notas Musicais – Cada canção tem a sua personalidade, este é um pressuposto básico, um ponto de partida quando inicio uma composição. Chico Lage era um sacristão que entre seus afazeres ligados à Igreja de Conceição do Rio Verde, também tinha a função de ser o maestro da Banda Municipal ou a fanfarra. A sua dedicação à atividade religiosa foi moldando o seu modo de ser, uma pessoa organizada, dedicada aos seus afazeres ligados à igreja e, desta forma, a música também passou a fazer parte da sua vida, com a mesma disciplina. Com o passar dos anos foi se notabilizando como maestro da banda e, sempre admirei esta vocação nele, e porque não dizer devoção religiosa à música. Por isso esta canção teria que ter a sua personalidade, a sua individualidade. O mundo das Notas Musicais, que imaginava permear a sua vida, se reflete de certa forma na canção. A simbiose harmônica entre as pessoas e seus instrumentos, de forma que o instrumento molda o físico do músico, ou mesmo as notas musicais, que ganham personalidade nas Meninas do Tarol. Têm a intenção da leveza, da feminilidade primaveril que a juventude enseja.
Sonho é uma parceria com Danilo Penteado. Normalmente começo burilando uma composição pela melodia ao violão, mas desta vez foi diferente. Cantarolei o texto bem da maneira como os vendedores oferecem seus produtos no trem, que às vezes pego para ir ao Centro de São Paulo: “Olha o sonho, olha sonho… Tá no prazo, tá na validade!”. Sugeri uma ideia de arranjo e ele finalizou, uma experiência de composição totalmente nova pra mim. E, claro, o Danilo Penteado é um super instrumentista, extremamente criativo e deu os contornos finais para a composição. Voltando aos vendedores no trem, que via de regra são abordados por fiscais… Penso neles da mesma forma como os artistas circenses que ficam nos semáforos, só que neste caso vendendo o que podem, inclusive doces, balas… Freud que me perdoe alguma imprecisão, o objetivo é musical, é falar da arte de sobreviver e, através da palavra, refletir sobre a desigualdade. É lembrar que, mesmo com preparo intelectual, nos rendemos muitas vezes ao ego. E fechamos os olhos fingindo que não vemos esse drama social.
Astronauta foi composta em parceria com Pedro Mourão, mas já havia sido tentada a parceria com outro membro do Grupo Rumo. Já havia uma direção, enquanto tema e até umas duas estrofes iniciadas. Aceitando o convite para desenvolvermos esta canção, o Pedro trouxe a sua importante contribuição, enriquecendo a abordagem e evitando lugares comuns. Originalmente, a canção tinha uma estrutura melódica complexa e o trabalho do Danilo Penteado foi importantíssimo para torná-la mais clara. Aliás, em todas as canções, a sua capacidade musical foi essencial, mas nesta em particular mostrou o seu talento como arranjador. Às vezes a canção nos ensina e nos faz pesquisar para entender a sua personalidade. Nesta canção, no trecho “O ser humano alienígena, tudo que vê, quer explorar. É preciso levar em conta a sabedoria indígena” – até então, não havia dado conta de que o antônimo de indígena é alienígena. Esta descoberta se deu pela própria evolução da canção. Outro aspecto que se adaptou ao conteúdo da canção foi a própria instabilidade melódica que se reporta a ausência da gravidade, e consequente instabilidade.
Vamos desembarcartem duas motivações. Nos primórdios do Rumo, eu fiz um refrão que dizia “a rua é um rio e todos os rios deságuam no centro da cidade”. A ideia ficou lá atrás, guardada, mas Gal Oppido – arquiteto como eu -, vez ou outra citava o verso em nossos encontros. Essa provocação do Gal ficou na minha cabeça – uma hora eu teria que concluir a canção. Um belo dia, levei minha mulher na feira rapidamente e fiquei no carro esperando, observando a chuva que caía, os pingos no para-brisa que iam se unindo e escorrendo… naqueles dias também havia ocorrido a tragédia em Mariana (MG). Todos aqueles pensamentos me levaram a concluir a canção. “Pingo com pingo / Gota com gota / Gota com pingo / Se unem no vidro, explodem no chão / Pelo meio fio, enfim / As águas vão rolar / A rua é um rio / Que deságua nos braços do mar / Um mar de lamas / Tragédias urbanas…”
Tantas é uma canção em parceria com Geraldo Leite. Temos, enquanto ex-membros do Grupo Rumo, uma atenção especial pela palavra falada, uma vez que nosso principal integrante, Luiz Tatit já pensava nessa questão e se dedicou a estudar o tema com a profundidade que só ele mesmo consegue tratar. Esta canção propõe, do ponto de vista meramente formal, a substituição de muitas palavras por um mantra ou um gemido, que isento do conteúdo da palavra, propõe substituí-la, e deixar um sentimento ocupar o seu lugar. O personagem é um viajante a refletir sobre a sua trajetória, a sua insistência na busca por se entender. É um diálogo consigo mesmo e, por isso mesmo sincero, admitindo seus momentos de fraqueza e momentos de superação. O personagem é um caminhoneiro? É um vaqueiro? Um viajante solitário? A resposta vai ser de cada um que se envolver com a canção. Uma escuta mais atenta perceberá a herança premeditada do Baião, ou dos cantadores nordestinos. Tentamos deixar este sentimento rondando a canção, mas não é fundamental para a sua fruição. Está apenas colaborando para o enredo musical, para fortalecer as nossas raízes culturais.
Uma Receita de Amar é outra parceria com o mano Geraldo Leite. A melodia é minha, mas, como sempre, eu sugiro uma frase, um primeiro refrão… e o Geraldo veio com essas receitas, o que ficou muito interessante. Uma maneira incomum de compor, sem clichês amorosos, mas falando de amor, lidando com o corriqueiro de uma forma poética, misturando receitas culinárias com a necessidade de encontrar alguém e a ideia de conquistar o companheiro pelo estômago. “Com sede, com fome procuro na noite / Até alguém encontrar… Dá um pulo na feira, pega uns limõezinhos / Corta em pedaços / Gelo e uma branquinha, açúcar a gosto / Pronto, já tá bom / Muito bem, muito bom / Deve haver um lugar / Que abra o paladar / Que nos dê um sossego / Pra depois namorar / hum, hum, hum… / Uma receita de amar…”
Laura é uma homenagem para uma tia, que mora na cidade de Conceição do Rio Verde, Sul de Minas, próximo de Lambari, Baependi, Caxambu… Como tantas tias, é destas que são incapazes de matar uma formiga, se dedica a cultivar suas flores, seu jardim, sempre de bom humor!! É comum os vizinhos chegarem no portão e chamá-la, mesmo porque não tem interfone e nem campainha: “Dona Laura!! Laurinha!!”. Da mesma forma, quando chegamos em visita fazemos questão de chamá-la ao portão assim, em tom de brincadeira. O texto é simples, singelo, tem uma série de elementos do cotidiano e ao mesmo tempo situa isso no tempo, musicalmente, trazendo memórias… A opção pelo samba é uma inspiração de quando ouvia rádio com ela, que gosta muito de música, de Noel Rosa interpretado pela Aracy de Almeida, de Paulinho Da Viola e João Gilberto. Para falar carinhosamente da Tia Laura, fui buscar essas referências musicais, a maneira de cantar de João Gilberto e Paulinho da Viola – duas vozes que julgo extremamente carinhosas ao interpretar uma canção. Mas veja, acontecem coisas imprevisíveis quando alguém com o talento da Ná interpreta uma canção!! “Simplesmente acontece”, como diria Cartola. Quando ouço a interpretação da Ná, identifico referências muito elegantes do canto de Carmem Miranda, outra voz que habita o universo musical da Dona Laura!
O Passista nasceu com intenção de ser Samba e ao mesmo tempo Jazz. A melodia já havia sido definida por mim assim como a primeira estrofe. Quando Pedro Mourão entra no processo da composição, propõe trazer para o tema desta canção o sofrimento que muitos sambas tratam, sempre com leveza e superação. Assim, a canção trata de dificuldades pessoais do personagem e da entrega ao ato de sambar deixando “a dor pra trás…”. Faz uma referência/homenagem explícita ao famoso Samba do Ataulfo Alves, “Na Cadência do Samba”.
Ná Ozzetti canta Zécarlos Ribeiro
1 – Bem Humorado (Zécarlos Ribeiro / Pedro Mourão)
2 – Roupas no Varal (Zécarlos Ribeiro / Geraldo Leite)
3 – Notas Musicais (Zécarlos Ribeiro)
4 – Sonho (Danilo Penteado / Zécarlos Ribeiro)
5 – Astronauta (Zécarlos Ribeiro / Pedro Mourão)
6 – Vamos desembarcar (Zécarlos Ribeiro)
7 – Tantas (Zécarlos Ribeiro / Geraldo Leite)
8 – Uma Receita de Amar (Geraldo Leite / Zécarlos Ribeiro)
9 – Laura (Zécarlos Ribeiro)
10 – O Passista (Zécarlos Ribeiro / Pedro Mourão)
Ficha técnica
Direção geral: Zécarlos Ribeiro
Produção Artística, arranjos e direção musical Danilo Penteado
Gravação, mixagem e masterização: Jonas Tatit (Estúdio Pratápolis)
Acompanhe no Instagram: @zecarlosribeiro.rumo e @naozzetti
Com informações: assessoria de imprensa Adriana Bueno