GUILHERME ARANTES lança seu novo álbum A Desordem dos Templários
Ouça aqui: https://links.altafonte.com/desordemdostemplarios
Lyric Video de “A Cordilheira” – https://youtu.be/QI1ojW90ZV4
A HISTÓRIA
2019 já havia sido um ano de revisão geral. Um ano de demolição de velhos sonhos. Mal eu sabia o que estava por acontecer, e a que ponto essa demolição chegaria. Eu havia mudado o estúdio de lugar, com a hibernação total do projeto Coaxo do Sapo no litoral norte da Bahia. Com um estúdio para técnicos e músicos, me vi sozinho frente a uma estrutura de produção inadaptada à minha solidão. Nada mais servia, e eu teria que remodelar meu projeto de produtora fonográfica de volta para o antigo estúdio caseiro particular. Os últimos anos haviam devastado muitas ilusões – não só no plano físico – e eu estava entrando num processo de reinvenção artística. A última música que eu havia composto, “Nossa Imensidão a Dois” (de 2018), deixara a nítida impressão de que beleza simplesmente não contava mais nada num mundo estilhaçado em segmentos de mercado, significados e discursos sociais de comportamento, empoderamentos e ativismos. A mesma velha companheira de sempre, a incompreensão de um mundo embrutecido, confuso e obtuso… Essa canção era especial para mim, havia sido uma das mais intensas e atribuladas por encomenda, simplesmente havia virado um “single secreto” sem ter sido propriamente lançado, nem mesmo em copyright, rendeu uma resenha favorável na crítica e nada mais. Página virada. Mas para mim ela merecia uma segunda chance, era uma letra reveladora desse mergulho numa visão panorâmica da vida, parecia profetizar um futuro iminente de uma completa revolução. Ainda no final do ano de 2019, fui fazer um show de Natal, em Santos (SP), duas noites ao ar livre, num ponto nevrálgico da praia, de tantas lembranças para minha infância, e eu resolvi convidar minha mãe, Dona Hebe, para ficar comigo no antigo hotel dos anos 40, participar do show (fiz até uma homenagem pra ela no show, inesquecível) e podermos antecipar nosso encontro de Natal, já que eu e Márcia estávamos com passagem comprada para a Espanha: no nosso plano original seriam 4 meses de uma pausa barroca, para eu finalmente estudar, em um retiro medieval, os dois volumes de Sonatas de Scarlatti comprados por nós em 2015, na loja da Yamaha, em Tóquio. Meu presentinho de Natal já me esperava na Espanha, um pequeno cravo elétrico, um velho sonho para eu mergulhar num outro tempo e voltar às minhas origens da adolescência. Estávamos em Madri na virada do ano, os rumores da tal pandemia pareciam longínquos, como em toda parte, e o final de ano sempre feérico das metrópoles cosmopolitas me parecia cada vez mais exagerado, com o mar de pessoas nas ruas, um enxame insuportável de turistas por toda parte, e eu até me lembro de termos conversado sobre o perigo desses metrôs entupidos de pessoas em total promiscuidade atmosférica. Pessoas sentadas no chão do vagão, algumas até pousando nesse chão a sua barra de pão, a clássica baguete levada “debaixo-do-braço” da Europa… Algo nos parecia fora de qualquer propósito nessa festa multicultural globalizada. As notícias vindas de Wuhan já ocupavam um espaço, até então ainda restrito, nas nossas preocupações. E assim foi o Natal, o Ano Novo, viagens para a Galícia, pelos arredores de Madri e eu dedilhando o piano sem pressa, brincando melodias, vi nascer algumas ideias esparsas enquanto destrinchava, com o uso auxiliar de arquivos “midi” no computador, as partituras dos livros de Scarlatti, Couperin e Handel. Também mantendo esse clima terapêutico, foram muitas as audições nas rádios interessantes no dial do carro, como a erudita RTE, 24 horas de renascenças, barrocos, romantismos, classicismos e modernismos reveladores, bem como rádios com programações de vanguarda, e eu assim fui me distanciando do cotidiano de tantos anos na “batalha bruta” no Brasil. Até idas à Opera, com direito a Walkiria de Wagner e Falstaff de Verdi brindaram esse novo momento, e principalmente muitos silêncios nos ouvidos e na alma, marcando profundamente esse início de 2020.
Em março, ao mesmo tempo em que descíamos pela última vez para a Capital, no dia Internacional da Mulher, houve uma aglomeração histórica e preocupante pela Gran Via, e no dia seguinte, no final da semana, ocorreu o fechamento geral do comércio e das ruas, com o grave pronunciamento do governo. Corremos ao supermercado e encontramos as prateleiras vazias, num clima de guerra inédito para nós. Eu havia recomeçado a estudar piano todos os dias, e com o acúmulo de horas de exercícios, andei forçando demais a coluna cervical. Em abril, já no “lockdown”, resolvi fazer uma “live” exagerada de 5 horas direto do meu estudiozinho caseiro, um quartinho minúsculo de 3m x 2m, quase um armário, com duas câmeras altas numa posição forçada para o pescoço: acordei no dia seguinte com uma lesão nevrálgica, uma dor insuportável no ombro e no braço esquerdo. Essa dor excruciante se instalou por semanas a fio, me tornando praticamente um inválido. Não dava pra fazer nada. A princípio tomei uma carga de analgésicos e corticóides, houve um alívio, mas a dor então se tornaria intermitente, me acompanhando ao longo do ano de 2020 como um pesadelo, por intermináveis 8 meses e muitas recidivas posteriores já em 2021. Exames feitos no hospital, em maio, revelaram uma cervicobraquialgia causada por lesão na coluna, avariada pela idade, e por 50 anos de carregação de pianos e órgãos, desde a adolescência. De cama, num vai-e-vem de muitas semanas, passei a ler compulsivamente no e-book, e entre muitas biografias, uma do Renato Russo me foi especialmente inspiradora por causa do seu problema de saúde na mocidade. Cadernos de rascunhos na cama, passei também a escrever letras para os temas que haviam estacionado embrionários, e assim começava a nascer muito espontaneamente um álbum novo, porque eu não saberia ficar ocioso naquela situação. Foi tomando forma um conjunto de músicas marcadas pela superação. Tripla superação: da desilusão na alma, da pandemia no mundo e da lesão neuro vertebral irradiando nos ombros e nos braços, me impedindo de levar uma vida normal. Um dos primeiros “insights” desse período foi a nostalgia do Realismo Fantástico que tanto marcou a minha geração intermediária, no hiato pós-68, pós tropicália, à margem do desbunde Woodstock/Saquarema/Iacanga, nossa geração encucada, do Progressivo rebuscado e “inútil”, geração pré-Punk, e também pré-pós-Punk, pré-new Wave, pré-Asdrúbal/Circo Voador, pré-anos 80 com o BRock, uma geração perdida no vácuo, ao mesmo tempo pré e pós-tudo e, principalmente, bem anterior à truculência marqueteira que reinaria absoluta dos anos 90 em diante. Ora, para muito além da minha óbvia nostalgia da idade, nestes novos tempos de crescente polarização compulsória no Brasil, aquele precioso delírio criativo de nossa mocidade, a cada dia parecia mais plausível e necessário num mundo permanentemente machucado, cindido e sem sinais de cicatrização… O longo período forçado de muitas leituras me fez escarafunchar possíveis razões para o mundo, e especialmente o Brasil, estarem agora num estado profundo de catatonia. Eis a palavra precisa desta época: Catatonia. Um mundo catatônico. Também me fez reavaliar a beleza peculiar de nossa geração tão sonhadora, tão maltratada pela História crítica que sempre se deleitou em nos relativizar frente aos fulgurantes períodos “Pré-Glaciação” da nossa política, da nossa cultura peculiar, em especial da Música Popular. Quanta coisa ficou petrificada, fossilizada na Era dos Grandes Mitos. Teria havido uma evidente ruptura que nos separasse eternamente de uma Era de Ouro da Cultura. Entre outras perdas incalculáveis, um antigo amigo poeta, Belchior, que agora neste período terrível morria isolado e, como sempre, revoltado, revolveu, numa aura de mistério, uma pergunta que nos cabe: como estamos nós, com nossos livros, nossos filmes, nossos símbolos e “nossos ídolos que ainda são os mesmos”, nossas óbvias ambiguidades, nossa linguagem cifrada, tão na contramão de uma atualidade embrutecida, minimalista, sem sutilezas e sem nuances, num tempo sensivelmente mais escuro do mundo. O tempo que temos. Os outros tempos passaram, e não temos mais.
UM NOVO ÁLBUM
Minhas novas melodias esparsas foram saindo ao longo de 2020, aclimatadas no ar gelado e perfumado pelos pinheiros, álamos, plátanos e ciprestes, pela fumacinha de “lenha de encina” do casario visto do Paseo Rastro, ao pé das muralhas, no topo do Vale do Rio Adaja, onde dominam o cenário o Pico Zapatero, a Sierra de Gredos, com suas constantes geleiras brancas contra o céu azul, o azul do ar puro de Castilla & León. Uma mistura da Campos do Jordão da minha mocidade com Pirenópolis, Ouro Preto com Garanhuns, a minha Araraquara da infância com Paraty. Uma atmosfera de sonho, de épocas e histórias, uma mistura muito inspiradora para a poesia, pois eu estava totalmente deslocado no tempo e no espaço. Já em fevereiro, eu tinha umas 3 ideias alinhavadas, que carregavam uma melancolia bonita, reflexo dessa sensação de perda permanente numa época tão difícil de desencantamento generalizado pelo mundo. De minha parte, percebi que não adiantava eu me abrigar nas desilusões e no desencanto, porque a música, mesmo assim, iria nascendo espontânea de mim, mesmo que eu não quisesse, por mais cética que se encontrasse minha alma.
A primeira dessa safra, me lembro bem, mais tarde se chamaria “El Rastro” e, não por acaso, abriria o disco, bem orgânica, juntando violões e percussões com uma levada no contrabaixo acústico lembrando o “Chan Chan” cubano, que eu adoro, pintando uma “tela” que se refere aos “lienzos” da cultura Abulense, os campos mesclados de tons pastel, o trigo e os pastos cor de creme salteados pelas árvores verde-escuro de copas arrepiadas pra cima, tão típicas de clima temperado, sempre uma pintura para o olhar da gente. À medida que o semestre avançou, meses mais tarde, com a chegada da primavera, as muralhas avermelhadas ao anoitecer ficaram fervilhando de bandos de andorinhas em frenesi, e o clima começava rapidamente a esquentar, afugentando as cegonhas, que deixavam seus ninhos vazios no topo das torres dos sinos. Essa letra acabou sendo muito fácil de escrever, já veio prontinha na cabeça. Essa festa das aves durou até o final do verão tórrido de muitos sorvetes na Praça de Santa Tereza. O contraste tão nítido de estações é sempre uma novidade para nós, tropicais. Com a avalanche de analgésicos para a cervicobraquialgia se instalou um clima alternado de sonolências e vigílias, ponteado por muitos sonhos delirantes. De um desses sonhos, acordei de madrugada e anotei o enredo, eu e Márcia éramos camponeses pobres e jovens, o Portão do Rastro aparecia com suas sacadas embandeiradas como cenário para uma aglomeração medieval, onde o Rei proclamava as Cruzadas… Como naquela hora o dia ainda amanhecia os primeiros tons escarlates no horizonte, resolvi mesclar o sonho com a minha volta ao tempo real, e descrevendo a nossa deserção, a nossa fuga daquela época de guerras, e no dia seguinte, eu tinha uma nova letra em tom delirante, para construir “Nenhum Sinal do Sol” em forma de cantiga de gesta, coisa que me remetia aos anos 60, tão recheado de temas barrocos. Ao mesmo tempo, um outro tema nascido espontaneamente ao piano me fascinava, por ser dramático e fulgurante, e porque o seu ritmo me permitia revisitar uma sensação “armorial” característica dos tempos da faculdade, quando o som Progressivo se misturou com os pós-tropicalistas do Nordeste e surgiram no meu caminho João Cabral, Ariano Suassuna e sua Pedra do Reino, Alceu, Geraldo Azevedo e principalmente o gênio Zé Ramalho no fluxo dos repentes delirantes com inflexões do Cordel e sua cultura marcadamente Ibérica em lendas épicas de paisagens áridas. Eu, ali num cenário inacreditavelmente pertinente, as Cruzadas cravadas nas pedras da cidade, os cavaleiros trágicos e imaginários, encontrava então o mote que eu precisava pra fazer a ligação da estranha realidade no meu retiro, com os conflitos do panorama externo do mundo, especialmente lá no nosso remoto e distante Brasil, a construir as pontes do passado com o futurismo fantástico de que se revestia um tempo tão bizarro como o atual…
Tempo de “Cruzadas Interiores sendo travadas na Alma da Humanidade” …
Pois era isso que eu precisava fazer urgentemente. Nascia, assim, com essa música-titulo, “A Desordem dos Templários”, um disco épico-Progressivo, híbrido de conceitual, que há tantos anos eu jurava que um dia iria fazer… O hiato da pandemia, interrompendo a carreira desabalada do tempo, colocando a grande festa global das “Madris metafóricas do mundo” em xeque-mate, iria me ajudar muito nessa hora. A letra explodiu num fluxo de consciência irrefreável, e quando eu vi, pofff, estava ali despejado a lápis um poema épico no caderno espiral, por sobre a cama, durante o repouso forçado em que me vi prisioneiro. O trecho em ritmo de repentista me pareceu um convite irresistível. Eu nunca havia composto um baião, estava buscando um rock de cangaceiro em pleno Século 21. Parecia “música grande” de Festival, na sua mais gloriosa Era do Brasil. Ressuscitei em mim aquele velho sonho de menino, de um dia ser relevante para a Música Popular. Meus músicos, lá no Brasil, iriam adorar, liguei imediatamente pra eles, anunciando a novidade, e logo mandando as primeiras sessões para que Gabriel e Willy gravassem na nossa filialzinha paulistana do meu estúdio agora desmontado e desmembrado. A partir desse ponto, eu estava irremediavelmente arrestado por um torvelinho de criação. O caderno, é lógico, encheu depressa. A próxima fronteira a ser enfocada nos meus sonhos em noites delirantes seria o movimento “sísmico” no campo sócio-político, que teria erguido cordilheiras intransponíveis entre as tribos humanas, uma alegoria que incluiria no topo dessas cordilheiras justamente os portais para as imensidões insondáveis da condição humana, a cada dia mais perdida frente aos paradoxos de sua pequeneza. Cordilheiras que desafiam a coragem, oferecendo dimensões, na sua travessia, para um Universo, não por acaso, libertador de possibilidades. tipicamente oitentista, essa melodia ficou marcada como a mais “synth-pop” da nova safra, “A Cordilheira”.
Outra canção também brotou nessa leva, explicitamente de amor, “A Razão Maior” que me transportava para o meu habitat preferido, a balada pianística, um gênero musical que eu havia, afinal, ajudado a inventar na música do Brasil. Era uma música para ter um piano acústico majestoso, muitos violões, com uma delicada terceira parte, uma canção para ter uma marca indelevelmente “Guilherme Arantes”…
Nesse meio tempo, lá de São Paulo, vieram graves notícias de que minha mãe entrava na etapa final da sua vida, uma experiência angustiante para mim, longe e isolado pelas impossibilidades de viajar (eu já trazia o pressentimento de que não iria revê-la mais, desde a festa do Natal em Santos…), me vi diante de um outro desafio emocional urgente, que seria compor uma canção – era o que eu poderia fazer – para que ela escutasse a minha declaração de amor com elementos muito pessoais entre nós dois, a melhor que eu fosse capaz de realizar. Ainda consegui que ela escutasse a canção, mesmo que embrionária, e isso significará muito para mim, eternamente. Hebe era a deusa grega que trazia o néctar da vida, então coloquei isso na letra, nada mais pessoal para ela. Convidei o genial Arthur Verocai para escrever esse arranjo das cordas, e o piano acústico seria gravado somente em 11 de março de 2021, na Sala Sinfônica do Centro de Convenções Lienzo Norte de Ávila. As preparações para esse dia ocuparam muitos meses, providenciando e configurando microfones e pré-amplificadores de última geração, com modelagem em DSP, padrão duplo “Blumlein” quadrafônico, aproveitando plenamente o Auditório vazio com o excelente piano Steinway “D” Hamburgo no palco. Um momento único, mágico, indescritível para mim!
Uma outra canção em forma de delírio, “Toda Aflição do Mundo” brotou durante uma viagem para Lalin, no coração da Galícia, com incursões pela região do Minho, berço ancestral da minha família paterna. Um tema de rock oitentista, mesclado com a Bossa Nova, (os temas de várias dezenas de leituras no período, com seus personagens fascinantes como Tom, Nara, Raul, Samuel Wainer, Danuza, Antonio Maria, Zózimo, Simonal, Caetano, Chico, Belchior, Renato, Glauber, Nelson Motta), misturando na letra até mesmo cenas das grandes navegações e flashbacks Greco-Romanos remetendo aos sinais de um colapso contemporâneo da velha Democracia de representação, nesta hora em que o mundo está ilusoriamente todo ao alcance das mãos. Tornou-se outra faixa-conceito de longa duração, fazendo par com “A Desordem dos Templários”, desobedecendo frontalmente às regras de 3 minutos de duração. Essas duas músicas acabaram adquirindo a forma de suítes em várias partes, com desenvolvimento característico do Progressivo, voltadas para o espaço privilegiado dos Shows e se libertando dos limites radiofônicos para o pop comercial: nesse meu espaço mais pessoal, aposentei o cronômetro, eu queria a velha faixa mastodôntica ocupando a maior parte da bolacha de vinil! Aliás, um outro sonho a realizar seria o delírio da capa desenvolvida para ser vinil. Em tempos de produtos voláteis na rede, eu queria ter uma capa dupla, conceitual, com envelope interno, uma ilustração especialmente concebida e uma direção de arte que me permitisse brincar à vontade em Photoshop/Illustrator, artes que viraram um outro deleite para mim, nas longas horas/dias/meses, quase 2 anos de claustro, preenchendo ludicamente um novo tempo tão elástico, agora literalmente parado, à espera da normalidade. As pessoas poderão estranhar um pouco uma pequena faixa-vinheta de sonoplastia que fecha o lado A do LP. Essa faixa está em 5.1 Surround no cartão USB, junto com os filmes “caseiros” de making of, editados por mim. A função seria essa mesma, causar um clima contextual para o côro dos robôs em batalhão, combinando com a ideia da capa, uma alegoria, um cenário interior do conflito instalado na alma humana. Em contraponto, uma tônica proposital neste disco seria uma busca de uma maior suavidade no canto, nas melodias que pediam maior delicadeza, como as odes de amor ”A Razão Maior” e “Nenhum Sinal do Sol”, que eu queria bem orgânicas, em texturas de violões de cordas de nylon e de aço. Todo o disco, aliás, envolve uma preocupação nova com a qualidade das vozes, já que, com a parada forçada, eu tinha todo o tempo do mundo para me dedicar especialmente a essa artesania. Esse sempre foi um aspecto um pouco descuidado por mim, ao longo da carreira, por ter sempre o meu foco muito mais voltado à composição, às letras e às instrumentações. Desta vez, eu me exigia fazer o meu próprio “coaching vocal”, prestando muito mais atenção nas respirações, no relaxamento, na fluidez do canto. Acho que consegui melhorar muito esse aspecto nestas interpretações. Este aqui não é um álbum numeroso em faixas. Ficou muito mais voltado à profundidade do que à profusão de temas. Eu finalmente concluí a criação de “Nossa Imensidão a Dois”, na qual eu havia parado no meio do caminho, e agora poderia fechar o seu ciclo com o arranjo “cheio”, e viria a ser o primeiro “single” no lançamento, pra eu logo “desengasgar” essa música junto ao público.
Foto: Marcia Gonzalez
A última composição dessa safra veio tardiamente, em 2021, para fechar com chave de ouro, em forma de um côro sacro, um adendo para “El Rastro”. Eu achei aquilo tão inspirado, que resolvi misturá-lo com os contrapontos das cordas barrocas que abrem o disco, amarrando o álbum entre a abertura e o encerramento, e desenvolver uma faixa declaradamente ProgRock, derivando dali as partes para guitarra, órgão, clavinete, minimoog, strings e mellotrons, pedindo uma bateria e um baixo exuberantes, virtuosísticos mesmo, ao melhor estilo “paleozóico” da era das grandes bandas progressivas dos anos 70. Sei que muitos vão dizer que é um espasmo saudosista e anacrônico, mas eu não me importo… A esta altura, depois de tudo de minimalista e paupérrimo em que o mundo se transformou, não faz mais sentido renegar esse estilo, tão detratado e depreciado pela chegada triunfal da crítica aderente ao pós-punk, na época, “em nome da modernidade”. Essa “modernidade”, aliás, já morreu faz tempo. E eu acho o minimalismo modernista chatérrimo, mas é questão de gosto pessoal. E boa parte do público (que é o que mais importa) adora o “jeito antigo” e cobra muito que voltemos às origens…
Pois então “Kyrie” acabou se transformando na realização desse anseio, para o meu gosto, uma joia no repertório, concluindo um disco feito com tantas superações, muito afinco, capricho e todo o amor pela poesia e pela música, dispondo de todo o tempo deste mundo, por mais ansiedade que eu tivesse para trazer logo a público. Haveria um momento em que não daria mais para esperar, ou para ficar burilando aqui e ali, com insegurança de se lançar ao mundo em época tão controversa, tão difícil de se viver. Haveria um momento em que a urgência de publicar se tornaria irrefreável, e esse momento é o agora. Espero que muitos gostem. Agora é hora dele ganhar o mundo, e eis o meu novo álbum, “A Desordem dos Templários”.
Guilherme Arantes
Julho de 2021
Lançamento: Coaxo do Sapo
Distribuição digital: Altafonte
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Com informações: Bebel Prates Assessoria de Comunicação