
Xamã lança “Fragmentado”, álbum-manifesto que desafia rótulos e exalta suas diferentes facetas
Com 25 faixas e grandes colaborações, o rapper-poeta apresenta sua obra mais ambiciosa, que mistura hip hop, MPB, rock e poesia em um retrato íntimo, urbano e sensível de sua trajetória artística
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Xamã lançou, seu quarto álbum de estúdio. Intitulado “Fragmentado”, o compilado é um projeto ambicioso que reúne em 25 faixas tradição, inovação e identidade em um retrato complexo e sensível do artista.
Cinco anos após o bem sucedido “Zodíaco” (2020), álbum que consolidou o seu nome no mainstream, Xamã retorna com uma obra que desafia rótulos e expande fronteiras. “Fragmentado” é um mergulho profundo nas camadas que compõem sua trajetória pessoal e artística. Misturando hip hop, MPB, rock e outros ritmos brasileiros, o projeto evoca a multiplicidade como linguagem e a colagem como estética, tanto sonora quanto visual.
Com colaborações que vão de ícones da música brasileira como Milton Nascimento, Adriana Calcanhotto, Criolo e Black Alien, até expoentes da nova geração como Liniker, BK, Duquesa, Victor Xamã, Major RD, Flora Matos e Agnes Nunes, o disco constrói pontes entre diferentes gerações, estilos e narrativas. A atriz Sophie Charlotte também marca presença, ampliando os diálogos entre música e outras expressões artísticas.
Xamã conta que começou a trabalhar no novo álbum ainda antes de concluir “Zodíaco”, guardando faixas mais underground que agora ganham espaço: “O ‘Fragmentado’ é uma conclusão de 2020 pra 2025, é tudo que eu guardei na gaveta e vamos lançar agora.” Ele reforça também a diversidade do projeto e a importância das colaborações: “Música no Brasil não é só um estilo, você escuta todo tipo de música e quis trazer participações de pessoas que sou fã e sempre sonhei em gravar. ‘Fragmentado’ é uma mistura de tudo que eu amo. Música urbana, música que toca nas ruas.”
Dividido em três blocos temáticos, o álbum propõe um jogo entre ficção e realidade, entre memória e invenção. Passagens sobre família, ancestralidade indígena, espiritualidade e referências cinematográficas compõem um roteiro narrativo que reafirma a potência lírica de Xamã e sua habilidade de se reinventar a cada projeto. O boom bap, estilo clássico do rap, serve como espinha dorsal do trabalho, reafirmando suas raízes no gênero, ao mesmo tempo em que desafia suas convenções.
A capa, revelada dias antes do lançamento, é uma obra artesanal assinada pelo diretor artístico Lucas Nogueira. Construída manualmente a partir de retratos impressos, cortados e colados em sequência, a imagem traduz visualmente o conceito do álbum: a construção de uma identidade multifacetada, fragmentada, mas coesa em sua intenção.
“Em um mundo cada vez mais digital, a escolha pelo preto e branco é uma provocação, um retorno ao passado, à origem, mas também um ponto de partida para o novo”, comenta Lucas. “O gesto artesanal e o uso do papel dialogam com o processo de composição musical, que muitas vezes começa assim: na folha em branco.”
Com bilhões de streams acumulados, um Grammy Latino conquistado em 2024 e papéis marcantes em produções como “Renascer”, “Justiça 2” e na série inédita da Netflix “Os Donos do Jogo”, Xamã consolida seu lugar como um dos nomes mais versáteis da cultura brasileira contemporânea. “Fragmentado” é, ao mesmo tempo, um espelho e um quebra-cabeça, refletindo um artista em constante movimento, que transforma suas cicatrizes, memórias e paixões em arte.
AS MÚSICAS – Faixa a Faixa
Com participação do coral formado por Murilo Santos, Nay Duarte e COZME, a faixa de abertura de “Fragmentado” funciona como uma prece urbana e autobiográfica. Entre gratidão e referências à cultura pop, Xamã traça uma linha entre o sagrado e o concreto, costurando fé, rua e identidade com lirismo cortante. O coral dá tom solene à entrada do artista, que se apresenta em camadas: filho, sobrevivente, símbolo e produto do caos.
“Dualidade” mergulha nas contradições que moldam Xamã: fé e rua, poesia e violência, introspecção e caos. Do R&B melancólico ao rap acelerado, o artista mistura Veríssimo e Drummond, Wolverine e Bob Marley, Sepetiba e o universo Marvel. É um flow que tanto se defende quanto se revela: “dilemas de mim e eu, sentado na beira do mais alto edifício”.
“Retalhos” é um fluxo frenético de memórias, referências e contrastes, costurado por rimas ágeis. A faixa caminha entre ironia, crítica e confissão, revelando o Xamã mais cinematográfico e urbano. No fim, um breve trecho de “Vambora”, de Adriana Calcanhotto, surge como ponto de respiro, quase um corte emocional em meio ao caos. Como o título sugere, a música é feita de pedaços transformados em narrativa viva.
Primeira colaboração do álbum, “Coisa de Pele” traz Xamã e a rapper Duquesa em uma troca íntima que começa como romance e termina como DR. Em versos que misturam lirismo e ironia, o casal se revela apaixonado, ciumento, imperfeito e intenso. O final da faixa é um diálogo cru e visceral, quase teatral, onde amor e raiva se sobrepõem sem filtro.
Mais do que um interlúdio, “Rádio 44FM” é uma peça de ambientação que mergulha o ouvinte na cultura popular brasileira. Com uma simulação de programa ao vivo, participação de ouvinte e locutor, a faixa apresenta de forma cômica e real o impacto de Xamã nas ruas. Ao mesmo tempo leve e metalinguística, ela posiciona o artista dentro do imaginário coletivo, e prepara a chegada da próxima faixa com Major RD e Liniker como um grande lançamento da 44 FM.
“Liniker” é uma colisão de mundos: o rap afiado de Major RD encontra a alma soul de Liniker, em um cenário de madrugada carioca. O refrão provoca e encanta, e a faixa oculta no final, com versos densos de Xamã, adiciona camadas à noite. Desejo, memória e lirismo dividem o banco de trás.
Produzida por Nansy, “Basquiat” é repleta de referências à cultura negra e urbana, além de acenos ao pop internacional. Entre conflitos religiosos, romances tóxicos e críticas sociais, Xamã pinta sua própria parede com letras grafitadas e frases-punhal.
“Esquadros 2” une o lirismo urbano de Xamã à delicadeza e profundidade de Adriana Calcanhotto, que revisita aqui os ecos do clássico “Esquadros”, lançado por ela nos anos 1990. Adriana, um dos nomes mais respeitados da MPB, empresta à faixa não só sua assinatura vocal como também sua sensibilidade poética. Enquanto Xamã caminha entre memórias e referências cotidianas, Adriana devolve o olhar sobre o mundo através de janelas, quadros e sentimentos suspensos.
Com produção apurada e atmosfera imersiva, “Belchior” traz um beat denso e minimalista que abre espaço para a performance introspectiva de Xamã, que mistura referências à MPB, como Belchior e Alcione, com a vulnerabilidade dos amores modernos e obsessões digitais; a faixa conta com Anderson Nem nos teclados e baixo, Traka no sax, Ramon na guitarra e backing vocals.
Numa das faixas mais sensíveis do disco, Xamã se une a Agnes Nunes para explorar a fragilidade de um relacionamento que se esfarela sob o peso da distância, da ilusão e da individualidade. Com versos cantados em inglês por Agnes, “Just Love” se destaca por seu clima etéreo, quase acústico, envolto por uma batida lenta que se equilibra entre o R&B moderno e a melancolia da MPB minimalista. “Meu codinome é Maldade / Nunca mais beijei ninguém na chuva”, diz ele, com a alma de quem já errou tentando acertar.
Xamã mergulha nas raízes afro-brasileiras e no samba de rua para entregar um interlúdio que é um sopro de oralidade. “Repente” tem rima improvisada e o rapper ecoa a voz da zona oeste carioca, da Baixada, do coração do povo preto. Em meio a metáforas de guerra, suor e sobrevivência: “Minha casa é minha rua e meu condomínio é o esgoto”.
Xamã e Flora Matos decolam em um dos momentos mais animados do álbum. “Aeromoça” é um flerte dançante entre trap, funk e rap, onde as trocas de versos brincam com sexualidade, liberdade e poder feminino. Flora, conhecida por sua versatilidade, entrega aqui um flow afiado, sarcástico e sedutor. Já Xamã aparece mais leve e debochado, lançando linhas que misturam sensualidade com humor “Tome, tome, tome… Eu não faço filho, eu faço clone”.
“GTA” é uma faixa pesada de boombap clássico, com letras que falam sobre a vida dura na periferia, crime e resistência. Xamã e GTA entregam rimas cruas, cheias de imagens fortes e reflexões sobre identidade e sobrevivência. O som é direto, com flow ágil e punchlines afiadas, trazendo o rap em sua forma mais visceral e verdadeira.
“Mosaico” é uma faixa colaborativa com produção de Xamã, Drow, Paczin, Guerr44 e MC Estudante. A letra traz um panorama da vida na periferia, com referências às dificuldades, violência e cotidiano do gueto. O som carrega a resistência e o orgulho das raízes, mesclando a tradição do rap clássico com uma energia crua e autêntica.
“Motel Bates” é uma faixa colaborativa entre Xamã, BTREM, Nochica e RD, que mistura rap com influências de rock e drill. A música traz uma atmosfera intensa e agressiva, retratando a vida nas ruas do Rio de Janeiro com referências à violência, ostentação e resistência. A letra expressa o cotidiano duro, o poder do coletivo e o estilo de vida como uma verdadeira “rockstar” da favela, com uma pegada firme e cheia de atitude.
“Take a Vision”, produzida por Samuca e Beat Do Ávila, é uma faixa romântica em que Xamã expressa admiração pelo “jeito difícil” da pessoa amada, misturando versos que transitam entre referências culturais, o cotidiano da favela e a vida contemporânea, tudo embalado por uma produção suave e envolvente que valoriza a lírica sensível e o flow íntimo do rapper.
“Complexo” traz o Rio em detalhes: encontros casuais, amor e contradições, tudo emoldurado por uma sonoridade MPB urbana. A faixa é sutil, delicada, e transforma cenas do morro em poesia suave.
Em “95’S”, Xamã e Vitor Xamã trazem um rap underground com produção de Duda Raupp, cheio de referências ao cotidiano da periferia, ao estilo de vida de rua, ao futebol, à cultura pop, e às dificuldades e celebrações do dia a dia, como churrascos, encontros na esquina e a desconfiança em relação à polícia.
Em “Anjo da Madrugada”, Xamã e BK mergulham num clima noturno e romântico com uma pegada urbana e sensual. A faixa mistura poesia de rua com referências culturais, além de evocar imagens típicas do Rio. A letra retrata encontros intensos e passageiros, com metáforas espirituais e desejos modernos, conectando o lirismo do BK à entrega emocional de Xamã.
“Flor de Maio” é o ponto mais delicado do projeto, unindo Xamã à atriz Sophie Charlotte em um dueto surpreendente que mistura MPB, poesia falada e rap. A faixa retrata um amor melancólico e cheio de beleza, com versos que falam sobre ausência, lembranças e o peso da saudade. Um encontro lírico entre dois mundos: o da atriz e o do poeta de rua, transformando vulnerabilidade em música.
Com versos que transitam entre o íntimo e o urbano, “Você Era Meu Sunshine” apresenta Xamã ao lado de Paczin e Wescritor em uma faixa que mistura romantismo melancólico com a crueza do cotidiano. A produção, marcada por guitarra, teclados e beats com pegada nostálgica, dá espaço para reflexões sobre amores que não resistem ao tempo e à correria da cidade.
“Toca no Morro e na Pista” reúne Xamã, MC Hariel, Gustah (também na produção) e Black Alien em uma faixa que celebra o som que atravessa becos, avenidas e sistemas. Com batida vibrante, o som é um choque de gerações: Hariel traz a vivência do funk consciente, Xamã costura referências interplanetárias e afetivas, Gustah entrega melodia com refrão colante e Alien fecha com versos ácidos e afiados.
Em “Sônia Aparecida”, a voz da mãe de Xamã narra memórias da infância com simplicidade tocante. Entre macarrão com salsicha e promessas de mudança, o áudio transforma lembrança dura em poesia de origem. Termina com “te amo”, o que resume tudo.
“Velho Fusca” é um mergulho fundo no território da MPB romântica e nostálgica. A canção evoca a imagem de um amor vivido em movimento, embalado pelo som de Raul Seixas e pela estrada como metáfora do sentimento. “Morei no seu sorriso, no som do Raul antigo / vem que no caminho eu explico”, canta ele, como quem convida para uma fuga íntima e improvisada, entre o lúdico e o real.
Encerrando “Fragmentado” com potência lírica e simbólica, “Poeta Fora da Lei” reúne Xamã, Criolo, Dino D’Santiago e a lenda viva Milton Nascimento em uma faixa que transcende gerações, geografias e gêneros. Produzida por Babidi e Samuka, a canção traz um instrumental denso e espiritual que sustenta versos repletos de referências culturais, dilemas existenciais e imagens de guerra, fé e milagre.
Com informações: MELINA TVARES Comunicação