Juliana Cortes apresenta Álbum 3 com produção de Ian Ramil

Urbano e experimental, o disco foi criado entre Curitiba e Porto Alegre e traz participações de Pedro Luís, Lemoskine, Estrela Leminski e outros

  

O terceiro disco da cantora curitibana Juliana Cortes, Álbum 3, apresenta uma grande obra produzida pelo gaúcho Ian Ramil (Grammy Latino 2016) gravada entre Curitiba e Porto Alegre, que já revelou três singles: Andorinhas, Cores do Fogo e Três. O trabalho conta com participações especiais de nomes consagrados como Airto Moreira – um dos percussionistas de jazz mais importantes do mundo –, em Terra Plana, e Pedro Luís, em Cores do Fogo, artista de múltiplas presenças na história da música brasileira e carioca. Completam o time de participações, representantes da nova geração como Érica Silva – baixista da banda Mulamba que participa de duas faixas do álbum, Estrela Leminski, uma das poetas convidadas para a escritas das canções e Rodrigo Lemos, o Lemoskine, compositor e vocal da faixa que batiza o trabalho. Além do disco, Juliana lança também um minidoc da residência artística promovida por ela e dos bastidores da gravação. Ouça aqui e assista aqui.

 

Desde seu primeiro álbum – INVENTO (produção musical de Fred Teixeira, 2013) -, Juliana Cortes dialoga com o extremo sul através das canções de seu maior parceiro de trabalho: Vitor Ramil. As afinidades com as artes rio-grandenses se estreitaram com a publicação do álbum GRIS (produção musical de Dante Ozzetti, 2016) – ,  tornando-se um projeto maior, concretizado no Álbum 3.

 

Buscando novas manifestações, interferências e experiências, Juliana convidou artistas de diferentes vertentes musicais dispostos a pensar e questionar as relações estético-culturais das suas cidades e de suas próprias produções.

 

De um lado, Estrela Leminski, Rodrigo Lemos – o “Lemoskine” – e Juliana, de Curitiba. De outro, Ian Ramil, Zelito e Guilherme Ceron, de Porto Alegre. Após quatro dias de residência artística na capital paranaense, em abril de 2019, nove músicas (inteiras ou trechos de canções) foram escritas. As temáticas refletem uma contemporaneidade de linguagem bastante particular produzida por um coletivo que nunca havia se encontrado, misturando vocabulários vindos do rock, do jazz, da música de concerto, do pop ou da música regional. Na seleção final do repertório, outras canções foram adicionadas ao álbum.

 

Gravado entre julho e setembro do ano passado, o disco traz na formação instrumental baixo, guitarra e bateria, sua estrutura base. Dois trios foram montados: Guilherme Ceron (baixo), Lorenzo Flach (guitarra) e Martin Estevez (bateria) de Porto Alegre e Du Gomide (banjo, violão, rabeca), Erica Silva (baixo) e Ian Giller (bateria) de Curitiba. Outros instrumentistas enriquecem a sonoridade do powertrio: Vina Lacerda (percussão) e Grupo Fato (Tamancalha), Carina Levitan (desenho de som), Davi Sartori (piano), Bruna Buschle (contrabaixo), Tomás Piccini (sax) e Jortácio (violão 12 cordas).

A sonoridade world music e minimalista do trabalho de Juliana Cortes se expande neste novo trabalho, chegando ao pop mais experimental em canções como Andorinhas – cantada em 3 oitavas; ao pop rock de Macho-Rey, canção de sua autoria com Ian Ramil; à mpb de flerte latino com Cores do Fogo. Além de poemas musicados, uma marca dos repertórios interpretados pela artista, Juliana também aposta em narrativas de ficção como nas faixas Azul Royal I e Azul Royal II cujo personagem central é um vestido de lantejoulas.

 

Vivenciando o centro da cidade de São Paulo, onde mantém seu estúdio, Juliana Cortes recriou uma atmosfera urbana – cujo auge é a faixa Prejuízo – que destaca a habilidade do guitarrista Lorenzo Flach com pedais de guitarra. Essa sonoridade densa é por vezes interrompida por canções simples e diretas como Serena Solar e Fôrma, registro caseiro gravado no apartamento de Vitor Ramil durante a pré-produção do álbum.

 

O enigmático trabalho – cuja fotografia da capa reforça um imaginário populesco e urbano – busca o risco na criação de novas poéticas e sonoridades. Juliana Cortes apresenta, além de obras inéditas e arranjos vanguardistas, um projeto de investigação sonora e performática, sem deixar de ser uma das vozes da MPB que incorpora e dialoga com a nossa latinidade.

 

Faixa a faixa

 

Segundo single revelado antes do lançamento do disco, Cores do Fogo, parceria com Pedro Luís, é a faixa que abre o álbum. “Conheci o Pedro no show de lançamento do grupo curitibano FATO, em 2016. Anos mais tarde, nos reencontramos em São Paulo e, trocando ideias sobre nossos próximos trabalhos, surgiu a vontade de colaboração artística”, lembra Juliana. Provocado por ela – que viu de perto o incêndio do Edifício Wilton Paes – , Pedro escreveu a canção sobre o incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O improvável encontro entre o solar artista carioca e a melancólica artista curitibana se reverteu numa canção de tom crítico e sonoridade dramática. Em duo, a canção é apresentada duas vezes, separada por uma ponte instrumental conduzida pela espacialidade das guitarras de Lorenzo Flach.

 

Na sequência vem Andorinhas, um poema musicado, marca do trabalho de Juliana como artista, que foi o single do pontapé inicial, logo quando ela anunciou o disco. Na faixa, a cantora explora sua extensão vocal apresentando o tema em 3 oitavas distintas. Neste arranjo, criado em estúdio pelos músicos Du Gomide (banjo, rabeca), Érica Silva (baixo) e Ian Giller (bateria), está presente a série 2:1 do método de rítmica de Zé Eduardo Gramani, professor e mestre de diversos músicos brasileiros. “A sensação, de quem ouve, é um deslocamento dos tempos fortes e fracos. Instabilidade que também está no poema “andorinhas nadam da fuligem no ar de SP” comenta. O destaque no arranjo é a participação de Du Gomide na rabeca que “chora” sob um ostinato rítmico gravado pelo músico no banjo.

 

Serena Solar música de encontro entre todos os compositores da residência artística promovida por Juliana. A levada ganhou um toque fronteiriço com o tambor piano tocado por Martin Estevez, instrumento típico do candombe uruguaio. “A canção foi criada durante os quatro dias de imersão, pouco-a-pouco e, no último dia, começada do zero. O tema foi proposto pelo Zelito para contar as histórias por trás das origens das plantas do jardim do meu estúdio, em São Paulo. Fomos brincando com enigmas e histórias de um terraço no centro da capital paulista. Foi neste espaço, fixado nas delicadas situações sociais do centro que tive todas as ideias do disco”, conta.

 

Três é uma das provocações levadas por Juliana à residência artística foi sobre o tema “mãe”. Entre textos e conversas, Juliana apresentou a obra visual “Three Women” do artista Bill Viola e Rodrigo Lemos se inspirou pelo tema, compondo ao lado de Estrela Leminski e Zelito a canção de maior sensibilidade e comoção do álbum. De caráter afetuoso, Juliana Cortes dedicou à sua mãe a interpretação da canção e a poética sobre o tempo [passado, futuro e presente] é refletida no coral de contrabaixos acústicos gravado por Bruna Brushle e no especial vocal do Rodrigo Lemos, “o Lemoskine”, no final da versão.

 

Terra Plana é a canção de maior duração do álbum: 5 minutos. A obra é dividida em 3 movimentos e foi composta por Juliana, Zelito, Ian Ramil e Rodrigo Lemos. A presença do percussionista Airto Moreira faz lembrar os trabalhos anteriores de Juliana e pode ser considerada uma faixa de transição entre as sonoridades mais camerísticas com as interpretações mais teatrais. Gravada ao vivo, Terra Plana – a faixa mais politizada do álbum – traz Marielle Franco, os atentados contra os povos indígenas na Amazônia e a polarização política no país.

 

Primeira música em parceria de Ian Ramil e Juliana Cortes, Macho-Rey, foi finalizada durante a residência artística em Curitiba. Das discussões sobre o universo feminino, a masculinidade, o assédio, o machismo, nasceu a pergunta: o que é ser homem? Confrontando as caricaturas sobre sexualidade, Ian escreveu a música e Juliana completou com o refrão “Seja Homem-Não”. A música é um deboche dos “tipos masculinos encontrados por aí”. Uma curiosidade é a citação do nome da jornalista Eliane Brum nos versos “quem vê não diz que ele se achou um nada quando leu Eliane Brum”.  Outra menção é para Caetano Veloso na substituição da palavra superman por supermã.

 

Marionete da Cidade é uma crítica bem-humorada ao sistema de compras, de vida de aparências e à “gourmetização” do carnaval está presente nos versos “vontade é vaidade, ela é marionete da cidade”. Com letra do poeta e cinegrafista Guilherme Becher, o cenário da canção é o centro de uma cidade na véspera do carnaval e prepara o ouvinte para a próxima faixa, mergulhando no imaginário de um carnaval de rua.

 

A saga de um vestido azul royal costurado para a mãe de Juliana Cortes nos anos 70 é a temática da canção Azul Royal I. Composta especialmente para o disco, num bate-bola entre Jortácio e Juliana Cortes, a faixa ganhou destaque pela interpretação que a cantora propõe, dividindo os personagens desta história em dois timbres vocais. O narrador da história, mais sóbrio e com voz mais encorpada; e o próprio vestido, com uma voz mais aguda e interpretação jocosa. A ficção se completa na faixa seguinte, Azul Royal II com uma citação da obra Panamá, de Chico Mello. O jogo de palavras está presente nos versos Paraná, Paramá (obra de Chico Mello) e Para Amar. Gravada ao vivo, a faixa se destaca pelo violão 12 cordas, aproximando as versões de uma sonoridade folk.

 

Prejuízo é a faixa de sonoridade mais incômoda e experimental do álbum que acompanha a letra da canção, escrita por Poty e Pedro Borghetti. Prejuízo é interpretada inteiramente em voz e guitarra e aposta nas harmonias suspensas e melodias com  intervalos em trítonos. O prejuízo da cidade soa dissonante e, em alguns momentos do arranjo, é conduzido somente pela voz, como um grito solitário “quais sonhos podem respirar?”. Construindo a sonoridade do álbum como todo, Lorenzo Flach se destaca nesta faixa. Com dois amplificadores de guitarra e uma engenharia nos pedais, o músico apresenta sobreposições de takes, inversão de fases, loopings e reverbs de forma livre, fazendo desta gravação um momento especial que chama atenção para a performance do músico neste e em outros trabalhos como Derivacivilização de Ian Ramil, ganhador do Grammy Latino de Melhor Disco de Rock de 2016.

 

Para fechar, vem Fôrma, um arquivo de pré-produção que registra o primeiro encontro entre Juliana, Lorenzo Flach (guitarra) e Ian Ramil (produção musical). Gravada no sofá do apartamento de Vitor Ramil e Ana Ruth, a faixa revela a canção crua e as primeiras sensações dos músicos com a obra. A espontaneidade da interpretação é reforçada pelo desenho de som, ideia original da artista Carina Levitan que gravou a rotina de Juliana em seu atelier em São Paulo. Do café ao “carro do ovo” – já em tom mais crítico. A canção é a faixa “Tom Waits” do álbum, misturando certa esquisitice com delicadeza dos versos de um “amanhã deixado pro amanhã”.

 

 

OUÇA O DISCO AQUI

 

ASSISTA AO MINIDOC AQUI

 

FICHA TÉCNICA

 

Tracklist:

 

  1. Cores do Fogo (feat. Pedro Luís)
  2. Andorinhas
  3. Serena Solar
  4. Três (feat. Rodrigo Lemos)
  5. Terra Plana (feat. Airto Moreira)
  6. Macho-Rey
  7. Marionete da Cidade
  8. Azul Royal I
  9. Azul Royal II
  10. Prejuízo
  11. Fôrma

 

Concepção artística e direção geral: Juliana Cortes

Produção musical: Ian Ramil

 

Participações especiais: Airto Moreira, Pedro Luís

Gravação: Áudio Porto (RS), Transcendental (RS) e Gramofone (PR)

Mixagem: Fred Teixeira (PR)

Masterização: Maurício Gargel (SP)

 

Compositores convidados: Ian Ramil, Zelito Ramos, Guilherme Ceron, Guilherme Becker, Estrela Leminski, Rodrigo Lemos e Juliana Cortes.

Colaborações: Poty Burch, João Ortácio e Pedro Luís.

 

Instrumentistas de Porto Alegre

Guilherme Ceron (baixo), Martin Estevez (bateria), Lorenzo Flach (guitarra).

Participações: Carina Levitan (desenho de som), João Ortácio (violão 12) e Tomás Piccinini (sax)

 

Instrumentistas de Curitiba

Érica Silva (baixo), Bruna Buschle (baixo acústico), Du Gomide (guitarra, banjo e rabeca), Ian Giller (bateria)

Participações: Davi Sartori (piano), Vina Lacerda (percussão) e Rodrigo Lemos (guitarra e voz)

 

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SOBRE JULIANA CORTES

 

Natural de Curitiba, Juliana Cortes é formada em música popular, especialista em Canção e mestranda em Música. Desde 2012, quando apresentou o espetáculo Juliana Cortes convida Vitor Ramil, realizado em Curitiba, se alinhou a movimentos estéticos do sul do país e regiões de fronteira, como Argentina, Paraguai e Uruguai.

 

Em 2013, lançou o CD Invento com obras de autores contemporâneos, misturando a poética do sul com um instrumental jazzístico formado por baixo, guitarra e percussão. O disco, produzido pelo curitibano Fred Teixeira, foi citado como destaque por críticos de Curitiba, Porto Alegre e Rio de Janeiro e pré-selecionado ao Prêmio da Música Brasileira. Invento tem participação de Vitor Ramil, autor de três faixas do álbum.

 

O segundo disco solo, Gris, trouxe a sonoridade e geografia urbana das cidades onde o CD foi gravado: Curitiba, São Paulo e Buenos Aires. Complementar ao Invento e, ainda na tradição da MPB, Gris apresentou dez canções inéditas, reforçando a poética sulista e trazendo obras escritas por Arrigo Barnabé, Luiz Tatit e Dante Ozzetti – produtor musical do álbum -, além da participação especial de Paulinho Moska, Antônio Loureiro e o trio argentino Diego Schissi, Juan Pablo Navarro e Santiago Segret.

 

Gris foi eleito o 6º melhor álbum da MPB de 2016 no Japão, pela Revista LATINA e no ano seguinte, Juliana Cortes recebeu o troféu Catavento de melhor cantora – melhores da música independente – pela Rádio e TV Cultura, de São Paulo. Paralelo ao lançamento do álbum, a artista lançou o clipe/curta O Mal com direção e animação de Carlon Hardt.

 

Desde seus primeiros passos na direção de uma carreira solo, Juliana já passou por palcos de Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Minas Gerais e países como Argentina, Uruguai, Peru e Coreia do Sul. Em suas escolhas de repertório, a artista dá um zoom em poemas musicados, autores contemporâneos e canções experimentais, a fim trazer o novo para sua performance e conduzir o ouvinte para além do mesmo.

 

 

Com informações: Thais Pimenta – Café 8

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